Eugene Ionesco e o Teatro do Absurdo
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Eugene Ionesco e o Teatro do Absurdo
por Martha M. F. Vieira
"It's not a certain society that seems ridiculous to me, it's mankind."
Um pouco sobre sua vida...
Eugene Ionesco nasceu na Slatina, Romênia em 26 de novembro de 1909, filho de pai romeno e mãe francesa. Algumas fontes indicam seu nascimento no ano de 1912. Esse erro é devido à vaidade do autor; no começo dos anos 50 ele diminuiu sua idade em três anos, depois de ter lido um comentário do crítico Jacques Lemarchand que enaltecia o advento de uma nova geração de jovens autores, entre eles Ionesco e Beckett.
Ionesco foi criado na França, mas retornou à Romênia com o pai em 1925, depois que os pais se divorciaram. Ele estudou literatura francesa na Universidade de Bucareste de 1928 a 1933. Em 1936 casou-se com Rodica Burileanu, com quem teve uma filha, para a qual escrevia histórias infantis diferentes das tradicionais. Em 1938, estabeleceu-se em Paris quando recebeu uma verba do governo para estudar na França e escrever uma tese sobre "pecado e morte na poesia francesa desde Baudelaire". Enquanto trabalhava como revisor para editoras, decidiu aprender inglês.
Como tudo começou...
Aos 40 anos, Ionesco adquiriu um livro-texto de inglês que começou a estudar, copiando, conscientemente, sentenças inteiras, desde o primeiro capítulo, com o intuito de decorá-las. Relendo essas frases com atenção, ele não apenas aprendeu inglês, mas descobriu algumas verdades surpreendentes - que, por exemplo, há sete dias na semana, o que ele já sabia; que o chão fica embaixo e o teto em cima; coisas que ele também já sabia, mas sobre as quais, talvez, não tivesse pensado seriamente ou houvesse esquecido, e que, de repente, lhe pareceram estupendas por serem verdades incontestáveis. À medida que avançava no livro-texto, dois novos personagens foram introduzidos, o Sr. e a Sra. Smith. Para total espanto de Ionesco, a Sra. Smith informava seu marido de que tinham tido vários filhos, que moravam na vizinhança de Londres, que o sobrenome deles era Smith, que o Sr. Smith era um auxiliar de escritório e que tinham uma empregada, Mary, inglesa como eles. Era notável na Sra. Smith, o seu procedimento eminentemente metódico na busca da verdade. Mas, então, como Ionesco escreveria mais tarde, "Um estranho fenômeno aconteceu. Eu não sei como - o texto começou a mudar imperceptivelmente ante os meus olhos. As afirmações muito simples, luminosamente claras que eu havia copiado tão diligentemente em meu caderno, deixadas de lado por algum tempo, fermentaram, perderam sua identidade original, expandiram-se e transbordaram. Os clichês e a banalidade das conversações, que antes faziam sentido deram lugar a pseudo-clichês e pseudo-banalidades; esses se desintegraram em caricaturas selvagens e paródias, e, ao final, a linguagem se desintegrou em fragmentos isolados de palavras."
Ionesco acabou transformando essa experiência numa peça de teatro, La Cantatrice chauve (A Cantora careca), que foi representada por Nicolas Bataille, em 11 de maio de 1950, no Teatro dos Noctambules. Essa peça permaneceu despercebida até que alguns críticos e escritores renomados (Jean Anouilh, Raymond Queneau e Jacques Lemarchand) a assistiram e a apoiaram publicamente. A campanha que eles fizeram para atrair audiência foi bem sucedida e Ionesco, já na meia-idade, viu-se de repente numa posição de renome internacional. Com essa peça Ionesco inspirou uma revolução importante nas técnicas dramáticas e inaugurou o "teatro do absurdo" ou o "anti-teatro". Esse teatro era realmente um teatro "puro", despojado de convenções, cruelmente poético, arbitrário e imaginativo. Ionesco, influenciado por Kafka e Jarry, caricaturou o real e o "absurdo" juntos, exteriorizou fantasias secretas, geralmente obtendo uma relevância social profunda. Nessa mesma linha seguiu-se Adamov, com Ping-pong (1955). Mas foi Beckett, com Esperando Godot (1954), Happy days (1961) e Play (1963) quem talvez tenha atingido uma maior universalidade. Outros dramaturgos bem sucedidos nessa corrente foram Marguerite Duras, com Le Square (1955), Robert Pingent, com Lettre morte (1960) e Roland Dubillard, com sua tragédia barroca La Maison d'os (1962).
Suas outras obras...
Numa rápida sucessão, Ionesco escreveu várias peças, todas desenvolvendo as idéias anti-lógicas da A Cantora careca. Dentre essas obras destacam-se algumas peças de um só ato em que muitos de seus temas do final da carreira - como o medo e o horror da morte - começaram a aparecer. Destacam-se La Lesson (A Lição), apresentada pela primeira vez em 1953, Les Chaises (As Cadeiras), em 1952 e Le Noveau locataire (O Novo inquilino), em 1955.
Ionesco teve dificuldades em dominar a técnica de escrever textos para peças completas. As obras Amedée (Amedeu), apresentada pela primeira vez em 1954, Tueur sans gages (Assassino sem ordenado), em 1959 e Le Rhinocéros (O Rinoceronte), também em 1959, não tinham a unidade dramática que ele adquiriu, finalmente, em Le roi se meurt (O Rei está a morrer), produzida pela primeira vez em 1962. A este sucesso seguiu-se um de seus mais espetaculares vôos de fantasia filosófica, com Le Piéton de l'air (O Peão do ar), em 1963. Entretanto, ele voltou a um tipo mais fragmentado de construção com Soif et la faim (A sede e a fome), publicado em 1966.
A principal contribuição de Ionesco foi a popularização de uma grande variedade de técnicas surrealistas, tornado-as aceitáveis para uma audiência condicionada a um teatro que reproduzia o cotidiano da vida real.
Os seus trabalhos posteriores mostraram menos preocupação com o paradoxo intelectual, essa ânsia de ir contra o senso comum, voltando-se então para temas como sonhos, visões e exploração do subconsciente. Seu pessimismo, originado da consciência do "absurdo" de uma existência tornada sem sentido pela morte, foi ligeiramente abandonado depois de O Rei está a morrer. Ao mesmo tempo, entretanto, suas atitudes políticas endureceram. Ele, que se descrevia anteriormente como um "anarquista de direita", revela-se um implacável oponente de todo tipo de ideologia de esquerda em Journal en miettes (1967).
Em resumo, Ionesco rejeitava a estrutura lógica, o desenvolvimento dos personagens e o pensamento do teatro tradicional, tendo criado sua forma própria de comédia anárquica para expressar a existência sem sentido do homem moderno num universo governado pelo acaso.
fonte: Revista Espiral
"It's not a certain society that seems ridiculous to me, it's mankind."
Um pouco sobre sua vida...
Eugene Ionesco nasceu na Slatina, Romênia em 26 de novembro de 1909, filho de pai romeno e mãe francesa. Algumas fontes indicam seu nascimento no ano de 1912. Esse erro é devido à vaidade do autor; no começo dos anos 50 ele diminuiu sua idade em três anos, depois de ter lido um comentário do crítico Jacques Lemarchand que enaltecia o advento de uma nova geração de jovens autores, entre eles Ionesco e Beckett.
Ionesco foi criado na França, mas retornou à Romênia com o pai em 1925, depois que os pais se divorciaram. Ele estudou literatura francesa na Universidade de Bucareste de 1928 a 1933. Em 1936 casou-se com Rodica Burileanu, com quem teve uma filha, para a qual escrevia histórias infantis diferentes das tradicionais. Em 1938, estabeleceu-se em Paris quando recebeu uma verba do governo para estudar na França e escrever uma tese sobre "pecado e morte na poesia francesa desde Baudelaire". Enquanto trabalhava como revisor para editoras, decidiu aprender inglês.
Como tudo começou...
Aos 40 anos, Ionesco adquiriu um livro-texto de inglês que começou a estudar, copiando, conscientemente, sentenças inteiras, desde o primeiro capítulo, com o intuito de decorá-las. Relendo essas frases com atenção, ele não apenas aprendeu inglês, mas descobriu algumas verdades surpreendentes - que, por exemplo, há sete dias na semana, o que ele já sabia; que o chão fica embaixo e o teto em cima; coisas que ele também já sabia, mas sobre as quais, talvez, não tivesse pensado seriamente ou houvesse esquecido, e que, de repente, lhe pareceram estupendas por serem verdades incontestáveis. À medida que avançava no livro-texto, dois novos personagens foram introduzidos, o Sr. e a Sra. Smith. Para total espanto de Ionesco, a Sra. Smith informava seu marido de que tinham tido vários filhos, que moravam na vizinhança de Londres, que o sobrenome deles era Smith, que o Sr. Smith era um auxiliar de escritório e que tinham uma empregada, Mary, inglesa como eles. Era notável na Sra. Smith, o seu procedimento eminentemente metódico na busca da verdade. Mas, então, como Ionesco escreveria mais tarde, "Um estranho fenômeno aconteceu. Eu não sei como - o texto começou a mudar imperceptivelmente ante os meus olhos. As afirmações muito simples, luminosamente claras que eu havia copiado tão diligentemente em meu caderno, deixadas de lado por algum tempo, fermentaram, perderam sua identidade original, expandiram-se e transbordaram. Os clichês e a banalidade das conversações, que antes faziam sentido deram lugar a pseudo-clichês e pseudo-banalidades; esses se desintegraram em caricaturas selvagens e paródias, e, ao final, a linguagem se desintegrou em fragmentos isolados de palavras."
Ionesco acabou transformando essa experiência numa peça de teatro, La Cantatrice chauve (A Cantora careca), que foi representada por Nicolas Bataille, em 11 de maio de 1950, no Teatro dos Noctambules. Essa peça permaneceu despercebida até que alguns críticos e escritores renomados (Jean Anouilh, Raymond Queneau e Jacques Lemarchand) a assistiram e a apoiaram publicamente. A campanha que eles fizeram para atrair audiência foi bem sucedida e Ionesco, já na meia-idade, viu-se de repente numa posição de renome internacional. Com essa peça Ionesco inspirou uma revolução importante nas técnicas dramáticas e inaugurou o "teatro do absurdo" ou o "anti-teatro". Esse teatro era realmente um teatro "puro", despojado de convenções, cruelmente poético, arbitrário e imaginativo. Ionesco, influenciado por Kafka e Jarry, caricaturou o real e o "absurdo" juntos, exteriorizou fantasias secretas, geralmente obtendo uma relevância social profunda. Nessa mesma linha seguiu-se Adamov, com Ping-pong (1955). Mas foi Beckett, com Esperando Godot (1954), Happy days (1961) e Play (1963) quem talvez tenha atingido uma maior universalidade. Outros dramaturgos bem sucedidos nessa corrente foram Marguerite Duras, com Le Square (1955), Robert Pingent, com Lettre morte (1960) e Roland Dubillard, com sua tragédia barroca La Maison d'os (1962).
Suas outras obras...
Numa rápida sucessão, Ionesco escreveu várias peças, todas desenvolvendo as idéias anti-lógicas da A Cantora careca. Dentre essas obras destacam-se algumas peças de um só ato em que muitos de seus temas do final da carreira - como o medo e o horror da morte - começaram a aparecer. Destacam-se La Lesson (A Lição), apresentada pela primeira vez em 1953, Les Chaises (As Cadeiras), em 1952 e Le Noveau locataire (O Novo inquilino), em 1955.
Ionesco teve dificuldades em dominar a técnica de escrever textos para peças completas. As obras Amedée (Amedeu), apresentada pela primeira vez em 1954, Tueur sans gages (Assassino sem ordenado), em 1959 e Le Rhinocéros (O Rinoceronte), também em 1959, não tinham a unidade dramática que ele adquiriu, finalmente, em Le roi se meurt (O Rei está a morrer), produzida pela primeira vez em 1962. A este sucesso seguiu-se um de seus mais espetaculares vôos de fantasia filosófica, com Le Piéton de l'air (O Peão do ar), em 1963. Entretanto, ele voltou a um tipo mais fragmentado de construção com Soif et la faim (A sede e a fome), publicado em 1966.
A principal contribuição de Ionesco foi a popularização de uma grande variedade de técnicas surrealistas, tornado-as aceitáveis para uma audiência condicionada a um teatro que reproduzia o cotidiano da vida real.
Os seus trabalhos posteriores mostraram menos preocupação com o paradoxo intelectual, essa ânsia de ir contra o senso comum, voltando-se então para temas como sonhos, visões e exploração do subconsciente. Seu pessimismo, originado da consciência do "absurdo" de uma existência tornada sem sentido pela morte, foi ligeiramente abandonado depois de O Rei está a morrer. Ao mesmo tempo, entretanto, suas atitudes políticas endureceram. Ele, que se descrevia anteriormente como um "anarquista de direita", revela-se um implacável oponente de todo tipo de ideologia de esquerda em Journal en miettes (1967).
Em resumo, Ionesco rejeitava a estrutura lógica, o desenvolvimento dos personagens e o pensamento do teatro tradicional, tendo criado sua forma própria de comédia anárquica para expressar a existência sem sentido do homem moderno num universo governado pelo acaso.
fonte: Revista Espiral
Re: Eugene Ionesco e o Teatro do Absurdo
AULA, QUE ABSURDO!
(A Aula de Ionesco)
por Lenita Ferreira de Oliveira
Tudo que é imaginado é verdadeiro
Nada é verdadeiro se não for imaginado
Eugène Ionesco
O teatro de Ionesco diferencia-se da "Bela-Peça". Nesta, há uma história habilmente contruída, um tema inteiramente apresentado e finalmente resolvido; um especial cuidado em espelhar a realidade, retratando as maneiras e trejeitos da época, em quadros detalhadamente observados: uma sutileza da caracterização e da motivação: um diálogo espirituoso e perspicaz.
Já no Teatro de Ionesco quase não existe história, nem enredo; não há começo, nem fim; existe, sim, o reflexo de seus sonhos e pesadelos; os personagens não são reconhecíveis, assemelham-se a bonecos mecânicos colocados diante do público; toda caracterização é agressiva; balbucios incoerentes tomam o lugar do diálogo.
O teatro de Ionesco é um dos caminhos do teatro contemporâneo. Nesse caminho ele procura expressar a sua angústia metafísica pelo absurdo da condição humana, ou seja, expressar a sua noção de falta de sentido da condição do ser humano, desconectado de suas raízes metafísicas, transcedentais, religiosas. Ele procura expressar também a insuficiência da atitude racional.
O esquema de suas peças espelha o orgasmo: é o esquema da acumulação, da intensificação, da progressão, da aceleração, da proliferação atingindo o paroxismo, quando as tensões psicológicas, os estados de consciência ou situações são intensificados, tornando-se mais ou menos densos, e emaranhados, atingindo o insuportável. Há de haver a liberação capaz de trazer a sensação de serenidade.
E é o riso que faz o papel dessa liberação. Por isso suas peças são dramas cômicos, dramas perpassados de humor. Ele acredita que o humor é a única saída para que possamos conviver com a falta de sentido de nossa condição humana.
A linguagem utilizada por Ionesco no seu teatro é desconexa. Ele parte para a desvalorização radical da linguagem, privilegiando as imagens concretas objetivadas no palco.
O elemento linguagem ainda desempenha papel importante, mas o que acontece no palco transcende e contradiz as palavras ditas pelos personagens. É que Ionesco desistiu de falar sobre o absurdo da condição humana, preferindo apresentá-lo tal como existe.
Essa apresentação de absurdo é que causa a desconexão da linguagem, isto é, as palavras proferidas nas suas peças nos são familiares, os conceitos também, mas por um processo de contraste, de elipse, de descontinuidade, de improviso, as palavras não têm o sentido convencional a que estamos habituados: tornam-se caricatura, linguagem fossilizada, denúncia de um mundo que perdeu sua dimensão metafísica, no qual o homem não tem mais a sensação do mistério.
Entretanto, subjacente a essa linguagem desvalorizada, há um apelo de Ionesco à restauração do conceito poético da vida, uma intenção de tornar a existência mais autêntica.
As táticas do teatro de Ionesco são as de choque perpassadas pela concepção de que a consciência do espectador, seu equipamento habitual de pensamento, sua linguagem, devem ser virados pelo avesso para lhe possibilitar uma nova percepção da realidade. Essas táticas facilitam o mergulho do espectador no absurdo e no desespero que, segundo o autor, põe cada um, por sua vez, a possibilidade do não absurdo e a busca de uma saída possível.
Ionesco expressa-se em peças de um só ato que possam ser desenvolvidas sem interrupção, pois está convencido de que teatro se faz com uma idéia muito simples, uma só obsessão e um desenvolvimento claro, auto-evidente.
Problematizador, crítico, o teatro de Ionesco contém duas linhas paralelas: a completa liberdade no exercício da imaginação e o forte elemento polêmico. Para o dramaturgo romeno, a criação artística é espontânea, e a fantasia é reveladora: um método de cognição.
Por outro lado, qualquer obra nova contém elementos polêmicos, pois um autor de vanguarda se opõe ao sistema vigente, é agressivo. A criação é agressiva, é dirigida contra a maioria do público pela novidade que apresenta. Causa indignação pelo inusitado e por ser ela própria uma forma de indignação.
Contestador, esse teatro aborda dois temas fundamentais: um é o protesto contra o torpor da civilização mecânico-burguesa, a perda dos valores reais; o outro é a consequente degradação da vida.
Seria errôneo considerar Ionesco apenas um palhaço, um autor de brincadeiras. Suas peças são um complexo de poesia, pesadelo, fantasia, crítica social e cultural, apesar de detestar o teatro abertamente didático, afirmando: "Não ensino, deponho. Não tento explicar nada. Tento explicar-me".
Seu teatro reflete suas preocupações, angústias, emoções, pensamentos. Consiste na projeção para o palco do seu mundo interior. Consiste, outrossim, na tentativa de transmitir aos demais o seu próprio sentido da existência, de dizer ao mundo quem ele é, o que sente.
Ionesco afirma que busca a matéria-prima de seu teatro em seus sonhos, suas angústias, seus desejos mais sombrios, suas contradições interiores. Não se sentindo só no mundo, nem solitário em tudo que é seu, admite ter adquirido muito do que traz em si de um repositório antiquíssimo do qual, certamente, toda humanidade beneficiou-se. E assim ele conclui que suas preocupações, angústias e pensamentos são comuns aos seres humanos.
A intenção de ionesco ao escrever suas peças é que relacionemos com as suas abstrações nossa condição humana como a experimentamos. Ele quer aprofundar nossa consciência da condição humana, fazer-nos experimentar o que seus personagens experimentam.
Ele concebe o teatro como uma obra de arte, um espaço do testemunho, uma expressão de uma realidade incomunicável que, às vezes, consegue comunicar-se.
Lenita Ferreira de Oliveira
Filósofa, Pedagoga e Psicóloga Clínica
Publicado no Caderno de Educação Ano II n.5, da Universidade do Estado de Minas Gerais.
fonte
(A Aula de Ionesco)
por Lenita Ferreira de Oliveira
Tudo que é imaginado é verdadeiro
Nada é verdadeiro se não for imaginado
Eugène Ionesco
O teatro de Ionesco diferencia-se da "Bela-Peça". Nesta, há uma história habilmente contruída, um tema inteiramente apresentado e finalmente resolvido; um especial cuidado em espelhar a realidade, retratando as maneiras e trejeitos da época, em quadros detalhadamente observados: uma sutileza da caracterização e da motivação: um diálogo espirituoso e perspicaz.
Já no Teatro de Ionesco quase não existe história, nem enredo; não há começo, nem fim; existe, sim, o reflexo de seus sonhos e pesadelos; os personagens não são reconhecíveis, assemelham-se a bonecos mecânicos colocados diante do público; toda caracterização é agressiva; balbucios incoerentes tomam o lugar do diálogo.
O teatro de Ionesco é um dos caminhos do teatro contemporâneo. Nesse caminho ele procura expressar a sua angústia metafísica pelo absurdo da condição humana, ou seja, expressar a sua noção de falta de sentido da condição do ser humano, desconectado de suas raízes metafísicas, transcedentais, religiosas. Ele procura expressar também a insuficiência da atitude racional.
O esquema de suas peças espelha o orgasmo: é o esquema da acumulação, da intensificação, da progressão, da aceleração, da proliferação atingindo o paroxismo, quando as tensões psicológicas, os estados de consciência ou situações são intensificados, tornando-se mais ou menos densos, e emaranhados, atingindo o insuportável. Há de haver a liberação capaz de trazer a sensação de serenidade.
E é o riso que faz o papel dessa liberação. Por isso suas peças são dramas cômicos, dramas perpassados de humor. Ele acredita que o humor é a única saída para que possamos conviver com a falta de sentido de nossa condição humana.
A linguagem utilizada por Ionesco no seu teatro é desconexa. Ele parte para a desvalorização radical da linguagem, privilegiando as imagens concretas objetivadas no palco.
O elemento linguagem ainda desempenha papel importante, mas o que acontece no palco transcende e contradiz as palavras ditas pelos personagens. É que Ionesco desistiu de falar sobre o absurdo da condição humana, preferindo apresentá-lo tal como existe.
Essa apresentação de absurdo é que causa a desconexão da linguagem, isto é, as palavras proferidas nas suas peças nos são familiares, os conceitos também, mas por um processo de contraste, de elipse, de descontinuidade, de improviso, as palavras não têm o sentido convencional a que estamos habituados: tornam-se caricatura, linguagem fossilizada, denúncia de um mundo que perdeu sua dimensão metafísica, no qual o homem não tem mais a sensação do mistério.
Entretanto, subjacente a essa linguagem desvalorizada, há um apelo de Ionesco à restauração do conceito poético da vida, uma intenção de tornar a existência mais autêntica.
As táticas do teatro de Ionesco são as de choque perpassadas pela concepção de que a consciência do espectador, seu equipamento habitual de pensamento, sua linguagem, devem ser virados pelo avesso para lhe possibilitar uma nova percepção da realidade. Essas táticas facilitam o mergulho do espectador no absurdo e no desespero que, segundo o autor, põe cada um, por sua vez, a possibilidade do não absurdo e a busca de uma saída possível.
Ionesco expressa-se em peças de um só ato que possam ser desenvolvidas sem interrupção, pois está convencido de que teatro se faz com uma idéia muito simples, uma só obsessão e um desenvolvimento claro, auto-evidente.
Problematizador, crítico, o teatro de Ionesco contém duas linhas paralelas: a completa liberdade no exercício da imaginação e o forte elemento polêmico. Para o dramaturgo romeno, a criação artística é espontânea, e a fantasia é reveladora: um método de cognição.
Por outro lado, qualquer obra nova contém elementos polêmicos, pois um autor de vanguarda se opõe ao sistema vigente, é agressivo. A criação é agressiva, é dirigida contra a maioria do público pela novidade que apresenta. Causa indignação pelo inusitado e por ser ela própria uma forma de indignação.
Contestador, esse teatro aborda dois temas fundamentais: um é o protesto contra o torpor da civilização mecânico-burguesa, a perda dos valores reais; o outro é a consequente degradação da vida.
Seria errôneo considerar Ionesco apenas um palhaço, um autor de brincadeiras. Suas peças são um complexo de poesia, pesadelo, fantasia, crítica social e cultural, apesar de detestar o teatro abertamente didático, afirmando: "Não ensino, deponho. Não tento explicar nada. Tento explicar-me".
Seu teatro reflete suas preocupações, angústias, emoções, pensamentos. Consiste na projeção para o palco do seu mundo interior. Consiste, outrossim, na tentativa de transmitir aos demais o seu próprio sentido da existência, de dizer ao mundo quem ele é, o que sente.
Ionesco afirma que busca a matéria-prima de seu teatro em seus sonhos, suas angústias, seus desejos mais sombrios, suas contradições interiores. Não se sentindo só no mundo, nem solitário em tudo que é seu, admite ter adquirido muito do que traz em si de um repositório antiquíssimo do qual, certamente, toda humanidade beneficiou-se. E assim ele conclui que suas preocupações, angústias e pensamentos são comuns aos seres humanos.
A intenção de ionesco ao escrever suas peças é que relacionemos com as suas abstrações nossa condição humana como a experimentamos. Ele quer aprofundar nossa consciência da condição humana, fazer-nos experimentar o que seus personagens experimentam.
Ele concebe o teatro como uma obra de arte, um espaço do testemunho, uma expressão de uma realidade incomunicável que, às vezes, consegue comunicar-se.
Lenita Ferreira de Oliveira
Filósofa, Pedagoga e Psicóloga Clínica
Publicado no Caderno de Educação Ano II n.5, da Universidade do Estado de Minas Gerais.
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Re: Eugene Ionesco e o Teatro do Absurdo
“I have been very much struck by what one might call the current of opinion, by its rapid evolution, its power of contagion, which is that of a real epidemic. People allow themselves suddenly to be invaded by a new religion, a doctrine, a fanaticism. At such moments we witness a veritable mental mutation. I don’t know if you have noticed it, but when people no longer share your opinions, when you can no longer make yourself understood by them, one has the impression of being confronted with monsters-rhinos, for example. They have that mixture of candour and ferocity. They would kill you with the best of consciences.”
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Eugene Ionesco in 1960
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Eugene Ionesco in 1960
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