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Do Cogito Fnord - Timóteo Pinto

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Post by wodouvhaox Tue Mar 01, 2016 2:57 pm

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O Paradoxo da Embalagem [ou “Por que somos todos loucos”]

Certo dia acordei pela manhã, com meu despertador tocando. Desliguei-o e voltei a dormir.
Naquele mesmo dia, quase uma hora depois, acordei com minha mãe batendo na porta do meu quarto, gritando que eu estava atrasada para a aula. Foi nesse momento que começou a manifestação do resultado de uma visita durante o sono. Uma visita divina.
Já havia recebido mensagens divinas através de sonhos anteriormente. Lembro que uma vez sonhei que Anúbis apareceu pra mim no ônibus e me deu uma mensagem extremamente importante, que no caso eu não entendi, por que ele só falava um dialeto egípcio antigo.
Eu realmente não lembro do que sonhei naquela manhã, mas quando acordei, havia uma pergunta em minha mente. E como se minha mente se dividisse em duas pessoas diferentes com vozes diferentes, uma delas perguntou à outra:
– Você sabe o que é uma caixa?
– É claro que sei, todo mundo sabe o que é uma caixa. – respondeu a outra voz na minha mente.
– Tá, e você sabe o que é um pote?
– Que raios de pergunta é essa? É claro que sei o que é um pote.
– Potes e caixas são coisas diferentes?
– Obviamente.
– Tem certeza?
– Tenho. Se você colocar na minha frente um pote e uma caixa, eu vou saber dizer qual é qual.
– Então qual é a diferença?
– …Oi?
– O que diferencia um pote de uma caixa?
– Bom, tem várias coisas. Uma delas é o formato, uma caixa tem seis lados sendo que cada um deles sempre é paralelo a um e perpendicular aos outros quatro…
– Não, tem caixas de outros formatos além de quadrados, eu vi uma caixa em forma de coração numa loja de presentes esses dias.
– Bom, então caixas podem ter qualquer formato, mas potes são sempre redondos ou cilíndricos.
– Ok, então sua margarina vem numa caixa.
– Não, margarina vem em potes. Espera, mas potes de margarina não são… É, tem razão, não é o formato que determina se algo é uma caixa ou um pote.
– E o que é então?
– Deixa eu ver… Caixas são feitas de madeira ou papelão, enquanto potes são de vidro ou plástico. O pote de margarina é retangular mas é feito de plástico, isso faz dele um pote.
– E caixas de isopor?
– Ah é, tem de isopor também.
– Legal. Então aqueles aquários gigantes são potes. E segundo a sua definição, o pote de batata Pringles é uma caixa, por que ele é feito de papelão. E caixas de ferramentas são de plástico, isso faz delas potes?
– Não, cara… Isso são só exceções, entende?
– Se pode haver uma exceção numa característica fundamental que define um objeto, então ela não é essa característica fundamental. Qualquer objeto que não tenha a característica principal que determina o que é um objeto faz com que ele não seja esse objeto.
– Porra.
– …
– Pior que você tem razão, não é o formato nem o material que determina o que é uma caixa e o que é um pote, tem potes e caixas de todos os formatos e materiais e… E tamanhos. Por um segundo pensei em dizer que potes geralmente são menores do que caixas, são pra coisas pequenas, como um pote de creme, e caixas podem ser enormes, como caixas onde são transportadas grandes máquinas. Mas tem caixas pequenas também. E silos onde são armazenados os grãos… São meio que potes gigantes. Então não é o tamanho também.
– Você ainda não me disse qual é a diferença, apenas disse qual não é.
– Bom, deve ter alguma característica que defina qual é qual. Quer dizer, não há como não ter, se não, como saberíamos diferenciar? Só preciso pensar um pouco melhor no assunto. Vejamos… As tampas, as caixas… Não, espera, tanto caixas quanto potes podem ter ou não ter tampas. Então não é a questão de ter ou não. Nas caixas a tampa é presa e no pote ela é separada? Não, mas tem caixas com a tampa separada. Já sei, caixas tem sempre a tampa feita do mesmo material do que o resto da caixa, e potes podem ser de um material e ter a tampa feita de outro. Mas se bem que tem potes com a tampa de mesmo material que eles. Hmm… Mas a tampa dos potes encaixa por dentro, e a das caixas por fora, fazendo com que elas sejam mais largas pra encaixar na volta da caixa.
– Tampa de pote de margarina encaixa por fora. Você está de novo vindo com essa idéia de que pote de margarina é caixa.
– Já disse que essa é uma exceção.
– Se há uma exceção, não é a característica determinante, só um detalhe em comum à maioria. Se um pote não tem a característica que faz dele um pote, ele não é um pote.
– Legal, e qual é essa característica então?
– Isso é o que estou te perguntando desde o começo.
– Tá bom, eu me rendo, eu não sei.
– Não sabe? Mas você tinha afirmado, categoricamente, que “deve ter alguma característica que defina qual é qual, se não, como saberíamos diferenciar?”. Vai desistir assim tão fácil?
– Caramba, então existe algo? É, se não existisse não teríamos como diferenciar, e diferenciamos. Deve ser o que guardamos. É, comida é guardada em potes, como pote de aspargos, pote de sorvete e, já que você insiste, o pote de margarina. E em caixas geralmente vem outras coisas, como eletrônicos. Minha câmera veio numa caixa. Meu computador também. Coisas assim vem em caixas. Eu guardo meus cabos e carregadores numa caixa dentro da gaveta.
– Algumas marcas de macarrão vem em caixas. E também chocolates vem em caixas. Até frutas são transportadas em caixas. E, guardamos eletrônicos em caixas? Então se eu pegar um pote e colocar um celular dentro dele, ele passa a ser, instantaneamente, uma caixa?
– Não, o que coloca dentro depois não conta, não muda o que é, só conta aquilo que veio dentro da caixa/pote quando foi comprada.
– Então se eu comprar uma caixa ou um pote vazio, ele não vai ser nem um nem outro?
– Argh, ok, coloque o que você quiser dentro então. Coloque seu pote dentro de uma caixa dentro de outro pote e jogue na grande caixa de metal no final da rua onde colocamos lixo reciclável. Eu me rendo. Consigo pensar em dezenas de outros pequenos detalhes que a princípio poderiam diferenciar uma caixa de um pote, mas quando tendo imaginar cada um deles ausente em cada um desses dois tipos de embalagem, isso não faz com que essas embalagens deixem de ser o que são e passem a ser a outra coisa.
– E então…?
– Então não há diferença! Droga! Eu não sei qual é a diferença, mas sei diferenciar um do outro! Sei diferenciar sem saber o que diferencia! Como diabos eu sei diferenciar então?
– Sabe mesmo?
– Sei! Sei que sei sem saber como sei.
– Caixa d’água é uma caixa ou um pote?
– É uma caixa, o próprio nome diz. Se bem que tem todas as características que eu inicialmente usaria pra descrever um pote. Não sei. Pode se uma caixa ou um pote. Pela deusa, é a mesma coisa! Caixas e potes são só nomes diferentes pra uma mesma coisa!
– Quando perguntei se caixas e potes eram coisas diferentes, você afirmou que eram. Afirmou até que saberia diferenciar um do outro.
– É, mas você me mostrou que eu não sei.

Essa foi a conversa que essas duas vozes tiveram na minha mente durante aquele fatídico café da manhã. Mais tarde, numa reflexão prolongada sobre o tema, Éris me iluminou com sua luz infra-violeta e percebi que só sei diferenciar potes de caixas por que acredito que sejam diferentes. Sou louca, louca a ponto de acreditar que posso ver diferenças entre dois objetos, ter certeza absoluta de que eles são objetos diferentes – ora bolas, até nomes diferentes tem! – e acreditar nisso com tanta força, que sei que tem diferenças, afinal, como eu saberia qual é qual se não fossem coisas diferentes? E ainda assim, não saber qual é a diferença.
Sei diferenciar duas coisas que são a mesma coisa, e sem nem saber qual é a diferença. Por que não há diferença, afinal. Mas minha mente é perturbada o suficiente pra diferenciar. Sou louca, talvez um pouco menos louca do que aqueles que não tem consciência de sua própria loucura e continuam presos em seus potes de certeza absoluta. Ou talvez muito mais louca do que eles, por que começo a me dar conta de que escrevi um texto sobre algo que não sei o que é – ou sobre dois “algos” – dois algos que são uma coisa só.
Talvez no final das contas eu descubra que os potaixas são, afinal, tudo. Ou nada. Ou ambos. Talvez eu seja um deles e estou numa frustrada jornada de auto-conhecimento que me mostrou que não existo. Fnord.

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